Virgens britânicas, ilhas

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]“caso” dos papéis do Panamá – chamá-lo de “escândalo” seria demasiado presunçoso – está para lavar e durar. Eis a novela da vida real por excelência, a confirmação em papel timbrado de tudo o que a vizinha cusca do andar vinha andando a dizer todo este tempo, em suma, “ainda bem que não é comigo…mas antes fosse…”, suspira o Zé pagante. Da “vox populi” tenho ouvido coisas como “quer dizer, a gente fazia uma ideia, mas não assim tanto…”. Tanto? Onze milhõezinhos de páginas? O que é isso, quando há processos judiciais que se arrastam durante anos a fio que chegam a produzir literatura quase tão extensiva quanto isso? Isto é malta que gosta de por o preto no branco, deixar tudo por escrito, não vá o Diabo tecê-las. Afinal com o dinheiro não se brinca: compra-se antes a brincadeira.
Mas deixemo-nos de conversa fiada, e vamos ao tema que prometi na semana passada que iria hoje abordar: as Ilhas Virgens Britânicas, o último grito em paraísos fiscais, sucedendo assim às Ilhas Caimão, muito na berra durante os anos 80 e 90 do findo século XX. E o que têm estas ilhas em comum, além da insularidade e do facto de ambas ficarem localizadas no Mar das Caraíbas? Bem, assim de repente só me consigo lembrar de uma coisa: nada sabemos de nenhuma delas, nem de empresas “offshores”, e no fim ficamos meio abananados, pensando que se calhar seria melhor se soubéssemos, indiferentes ao que dissesse o raio da velha, a tal vizinha de cima.
Por incrível que pareça, há um compatriota nosso bem conhecido que deve saber imenso sobre as Ilhas Virgens Britânicas, e alguém insuspeito também: André Vilas-Boas. Esse mesmo, o treinador de futebol actualmente ao serviço dos russos do Zenit foi em tempos seleccionador das Ilhas Virgens Britânicas, quando ainda se sabia menos das mesmas. Desconheço se foi mesmo treinador da selecção desse micro-estado da América Central, mas não tenho razões para duvidar disso – quem ia querer incluir uma banalidade dessas no seu currículo? O caso mudava de figura se o técnico por quem os adeptos portistas devem estar a esta hora a suspirar afirmasse que tem uma empresa “de facto” naquele país. Com uma população de 30 mil habitantes (menos que a Rinchoa) não deve ser difícil escolher o onze para alinhar pela selecção. Difícil sim deve ser arranjar tempo, uma vez que existindo mais empresas com capitais anónimos do que pessoas, os “virgenenses britânicos” devem estar TODOS empregados em mais que uma delas, e mal lhes sobra tempo para dançar o limbo. Ou será mesmo assim?
A capital deste “paraíso fiscal”, que é para onde o Tio Patinhas vai quando morrer, é uma cidade que dá pelo nome de Road Town, que fica localizada em Tortola, a maior ilha do Pequeno Arquipélago. A segunda maior ilha chama-se “Virgem Gorda”, e agora já sei o que estão a pensar: “é por isso que ainda é virgem”. Ai ai, seus marotos. Adiante. Em Road Town existe um tal “Offshore Incorporations Centre”, que é onde estão sediadas as tais empresas que são agora notícia. Ena, aquilo é que deve ser um alvoroço por ali, com todas aquelas empresas, e tal. Deve ser coisa para fazer Wall Street corar de inveja, certo? Nada disso; se atentarem ao endereço da sedes destas empresas, vão ver que começam com “P.O. Box”, seguida de um número, ou seja, uma mera caixa postal. Sou até capaz de “apostal” (eh, eh) que nem isso lá têm, e no limite há uma barraca qualquer com um infeliz sentado ao lado de um telefone, e cuja única função é atender e confirmar que “sim senhor, ali é a empresa tal do senhor tal, e ele agora não pode atender porque está numa reunião”.
Mas atenção, porque isto “tem uma razão de ser”, como escutei um senhor falar na televisão no outro dia, e as “offshores” “têm uma razão de ser”. Não duvido, mas não me parece que montar empresas fictícias em locais que ninguém sabe onde ficam e cuja mera menção do nome nos fazem lembrar “raggae” ou calipso com a finalidade de fugir ao fisco sejam uma “razão de ser” válida. Pelo menos para mim. Ah, e a propósito, já viram a quantidade de homenzinhos microscópicos oriundos das Ilhas Virgens Britânicas, os tais que trabalham dentro de caixas postais, que investiram em Macau? Imaginem que a área comercial quase toda da cidade, do Largo do Senado até ao património histórico foi açambarcada por “virgens britânicos”, e isto debaixo dos narizes dos nossos “tai lous”! Isso mesmo, pessoal: lá virgens podem ser eles, mas parvos é que não são mesmo nada.

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