Sam Wong, dono de restaurante: “Macau era muito mais solidário”

Tem 59 anos, nasceu em Macau um ano depois da mãe chegar de Cantão e tem a terra profundamente embutida na sua mente: “Penso em Macau a todo o momento. É o meu país. Amo-o.”
Nunca teve sonhos por aí além, do género ‘que-fazer-quando-for grande’ bem, isto se deixarmos passar o gosto pela música, “era baterista aos 14 anos e participei em dois grupos. A primeira banda era de heavy metal”, que ainda hoje é o seu estilo preferido. Deep Purple a banda favorita, mas também os Dream Theatre ou os Styx, “sabe, sou da velha guarda”, explica. Mas como a música não dava dinheiro teve de seguir outro caminho e aos 19 anos acabou mesmo por descobrir o que viria a ser o seu sonho: trabalhar em restaurantes “porque posso falar com muita gente”.
Começou no restaurante do Hotel Sintra na posição mais básica do serviço, “apanhava copos e levantava pratos” mas conseguiu chegar a gerente, o que considera a sua melhor memória de Macau, “fiquei orgulhoso”, confessa, “comecei de baixo e depois acabei a mandar naquilo tudo”. Na altura, poucos mais hotéis de categoria existiam em Macau pelo que era uma posição de relevo. Até que um dia veio uma administração nova de Hong Kong e resolveu despedir toda a gente, “não fui só eu”, garante, “até o contabilista foi para rua. Queriam colocar o pessoal deles e mandaram-nos a todos embora”, explica.
Aí passou 20 anos. Estávamos nos meados dos anos 90 e foi para Sun Tak, quando ainda ficava a três horas de distância. Foi como consultor de um amigo que estava abrir um restaurante com sauna, karaoke e discoteca mas a coisa durou apenas dois meses, “não aguentava aquilo. As pessoas não tinham o mínimo de educação. Andavam à tareia todos os dias. Peguei no dinheiro e vim-me embora” foi o “Platão” por quatro anos e depois voltou ao continente onde teve um café em Zhongshan e, cinco anos depois, voltou decidido a reformar-se. “Não tinha muito dinheiro mas dava e estava farto de trabalhar”. Mas a reforma não era a vida boa que pensava e apenas durou nove meses: “Estava aborrecido de morte e resolvi procurar trabalho” o que encontrou no restaurante que agora dirige. Ao princípio, o dono ao ver o currículo achou-o demasiado qualificado, Mas Sam estava disposto a trabalhar, era perto de casa, bom horário e lá ficou como gerente. Durou um ano até o japonês resolver fechar o negócio. Não estava a dar. “Claro que não dava, o homem não percebia nada de restauração, não ouvia ninguém, nem o cozinheiro” explica.
Passado um tempo a irmã sugeriu-lhe pegar no restaurante, ele recuperou o cozinheiro, também japonês, ouvi-o, usou-lhe o nome para baptizar o restaurante e “agora está tudo bem. Mudámos o menu. Dei liberdade ao Tabuchi e temos muitos clientes.” Claro que o sucesso não passou despercebido ao antigo dono que ainda tentou reaver o restaurante mas não teve sorte, afinal de contas Sam estava realizar o seu sonho, “Sempre quis ter um restaurante, já tenho, por isso não tenho mais sonhos. O meu filho está a ir bem, está tudo bem. Não ganho muito dinheiro mas chega para ser feliz”, assegura.

Hong Kong? Não vou lá há 30 anos”

O Macau de antigamente “era uma maravilha”, recorda Sam Wong, “Muito melhor do que agora. Calmo, sossegado, relaxante… agora é uma loucura. Anda tudo cheio de pressa, só pensam em dinheiro… Macau era muito mais amigo, muito mais solidário. Agora é uma confusão de gente.”
O futuro, ou mudar algo em Macau nem o faz pensar, “Não faço a mínima ideia. A minha vida é casa, trabalho, casa. Vejo-os a discutir todos os dias no parlamento, cansa. A nova geração que se preocupe com isso.” Mas recorda com alguma saudade o Macau antigo e, claro está, restaurantes que não existem mais como o Wa Lok Iun e o Ma Ien Hong na zona da Almeida Ribeiro, ou os vendilhões de fitas que se espalhavam pelas ruas, “alguns tinha um ‘ngao lam min’ fabuloso”, recorda.
Em relação aos portugueses diz que são “OK. Tenho muitos amigos macaenses, quando nasci isto era português e todos nós nos habituámos e aceitámos os portugueses.” Hong Kong é que já um caso diferente, “não vou lá há uns 30 anos. Antes, quando precisávamos de alguma coisa mais sofisticada, tínhamos de ir mas desde há muito que não é preciso. Também não tenho nenhum amigo lá que vou lá fazer? Para a confusão? Não obrigado”, remata. Os casinos também não o fascinam de todo, “nunca lá meto o pé”, garante, “não gasto nem 10 patacas num sítio desses”. O dinheiro serve para outras coisas mais queridas “comida, música e álcool, é onde gasto o meu dinheiro” e ri-se a bom rir.
Antes de deixarmos a sua companhia quisemos saber se haverá algo que o faça ir a Hong Kong mas Sam Wong não conseguia lembrar-se de nada. ‘E um concerto de heavy metal?’, sugerimos, “hmmmm…. aí pensava duas vezes. Acho que sim, acho que isso me faria ir a Hong Kong. Se fossem os Deep Purple então… Mas o Phil Collins ou a Sade Adu também era possível que me convencessem.

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