E o amor?

[dropcap style=’circle’]O[/dropcap]amor, que já se tentou explicar na voz da literatura, da música, da arte e da ciência, gosta de se manter envolto em mistério. Por alguma razão que o conceito, talvez da mesma forma que o sexo, é um tópico de conversa desejado. Se não é amor no seu estado puro, fala-se bastante de relações humanas em geral. De como nos ligamos e desligamos dos outros, como nos mantemos ou como nos queremos alienar ou como podemos viver num mundo tão cheio de pessoas, que ao mesmo tempo é inundado pela nossa individualidade.
Perder-me em definições de amor talvez seja um processo sem sentido, porque, como qualquer outra emoção humana, há quem o viva de formas distintas em momentos distintos e em contextos culturais que moldam estas coisas românticas da nossa vida, de forma distinta. Acho que já faz parte do bom senso dos demais que existem vários tipos de amor. Focar-me-ei, portanto, no amor que interessará a esta sexanálise: o amor romântico.
O amor romântico é aquele que sentimos por alguém estranho a nós. O amor aproxima quem outrora foi um desconhecido mas que gradualmente se envolve nas malhas emotivas que nos tornam humanos. Esta forma de gostar de alguém, para além de pressupor companheirismo, amizade e compromisso, envolve sexo. A perspectiva moderna-naturalista trouxe (e ainda bem) uma visão alternativa do sexo, percebendo-o separado de tudo resto, como uma necessidade biológica, tal como comer e dormir (daí terem começado a surgir os tão convenientes amigos coloridos). Mas e o amor? Porque é que o acto de procriação está tão ligado a este sentimento, que uns sentem e outros dizem que não, mas que nos é impossível ficar indiferentes às suas insistentes formas sociais, discursivas e relacionais?
Apesar de existirem momentos onde o sexo e o amor são entendidos como mutuamente exclusivos, uma outra visão insiste na bidireccionalidade dos mesmos, e no seu constante sistema de alimentação, ou seja, sexo melhora o amor, e o amor melhora o sexo. Apesar de ser um sistema mediado por outras possíveis variáveis (nada no mundo é de tão directo efeito), os estudos mostram que, de facto, maior satisfação sexual, maior satisfação conjugal/relacional, e que das muitas fórmulas que tentam perceber como nos apaixonamos, o sexo está entre as prescrições para atingir o pico de sensação romântica. Não me parece totalmente descabido se pensarmos que sexo proporciona momentos de alto teor íntimo. Pessoas nuas, e por isso num estado de vulnerabilidade maior do que o normal, pessoas a quererem prazer e a oferecê-lo também. Se existe quem consiga ser especialmente egoísta no acto do sexo, o mais comum dos humanos tem uma missão altruísta, uma dedicação ao outro e do que o outro poderá sentir. Por isso o sexo, por mais preverso que possa ser percebido por camadas sociais mais púdicas, pode ser entendido como um acto de cuidado e de carinho que queremos oferecer a outra pessoa. Não é completamente à toa que são beijos, abraços e carícias que preparam a majestosa escadaria do orgasmo. Para além de que o ‘orgasmar’ em companhia, provavelmente, constitui um importante momento de revelação para si e para o outro. Mostram-se as manias, as caras esquisitas, os ruídos estranhos, todas aquelas coisas que acontecem quando se é atacado pela sensação de prazer e se perde o controlo sobre as coisas.
O amor e o sexo são amigos de longa data e disso a sociedade humana já entendeu. Se as representações de sexo já são complicadas de desconstruir pela negatividade que lhes é assumida, sejam pelos vocábulos que se utilizam ou pela simplicidade que lhe é negada, a discussão do amor encontra dificuldades muito diferentes. Se um é excessivamente negativo, o outro pode ser excessivamente positivo, ou vice-versa, porque há todo um mundo de perspectivas. Por isso misturá-los não é tarefa fácil, pelo menos dentro da dita diversidade. Porque no nosso íntimo, na nossa privacidade emotiva, há ideias de uma clareza tremenda. E isto há-de saber quem se apaixonou e teve o melhor sexo da sua vida.
O sexo é um acto de amor. Corrijo-me: o sexo pode ser um acto de amor (porque pode ser muita coisa, como tenho vindo a declamar ao longo de semanas). O sexo é um acto altamente social de possibilidade romântica porque constitui uma partilha e uma troca: de fluidos e de momentos. O meu lado hippie está neste momento a gritar pela uniformização e inclusão do amor no sexo. Óbvio que não se ama tudo o que se fode, mas, pelo menos, cuida-se e mima-se, nem que seja por umas horas somente. Se o amor está ausente, há um gostar simples e singelo. Se o amor atacou os corpos em contacto, bem-vindos ao momento mais espectacularmente belo e aterrador das vossas vidas.

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