Angola | Intervenção portuguesa em caso de Luaty Beirão divide

Há um mês que o rapper e activista angolano Luaty Beirão está em greve de fome em Luanda. Apesar da nacionalidade portuguesa, Portugal diz tratar-se de uma questão “interna” de Angola. O presidente da Associação Angola-Macau diz que o país só poderia actuar caso se tratasse de pena de morte. Uma especialista em Direito Internacional defende que Portugal pode apenas apelar à defesa dos Direitos Humanos e ao cumprimento da lei

[dropcap style=’circle’]L[/dropcap]uaty Beirão, activista e rapper, está em greve de fome em Luanda, Angola, depois de ter sido preso com mais 14 activistas, acusado de preparar um atentado contra o presidente José Eduardo dos Santos. Apesar do julgamento já estar marcado para 16 de Novembro, Luaty Beirão decidiu manter-se em greve de fome.
Alexandre Correia da Silva, advogado e presidente da Associação Angola-Macau, considera que o governo português só poderia intervir caso se tratasse de pena de morte, medida que Angola aboliu em 1992.
“Acho que o governo português está a agir normalmente. Há um cidadão, que é angolano, e que foi detido em Angola por ter violado a lei angolana. Aplica-se a lei angolana. Admito que Portugal tivesse a possibilidade de intervir, caso estivesse em causa uma eventual pena de morte. O facto de ter dupla nacionalidade não é um instrumento que permita fugir às obrigações perante a lei”, considerou ao HM.
Cristina Ferreira, docente a tempo parcial de Direito Internacional Público na Universidade de Macau (UM), considera que o Estado português apenas pode apelar ao governo angolano que cumpra a lei e que proteja os Direitos Humanos.
“Portugal apenas pode apelar face à sua tradição humanista e de defesa dos Direitos Humanos para que o Estado angolano assegure os direitos fundamentais do arguido, que a justiça seja aplicada de forma justa e imparcial, e que o Direito seja cumprido, designadamente o facto de já terem passado os prazos legais para a detenção preventiva”, explicou.
“Embora Luaty Beirão tenha a dupla nacionalidade angolana e Portuguesa (e independentemente de o Estado Angolano não reconhecer a dupla nacionalidade), as regras da dupla nacionalidade não funcionam quando o cidadão nacional está no Estado da sua outra nacionalidade. Isto é, Portugal não pode proteger Luaty enquanto cidadão português, porque este está no Estado da sua outra nacionalidade, tendo esta plena jurisdição sobre esse cidadão. Dito isto, Portugal não tem legitimidade para interferir juridicamente neste caso, pois Luaty está em Angola e não noutro país. Ao violar a lei angolana, ele é angolano e está sujeito á jurisdição de Angola”, acrescentou a docente.
Até agora o Ministério dos Negócios Estrangeiros português disse apenas estar a seguir o caso do ponto de vista humanitário, por se tratar de uma questão interna de Angola. No passado dia 17 um diplomata da embaixada de Portugal em Luanda visitou o activista com outros membros das embaixadas do Reino Unido, Suécia e Espanha, países membros da União Europeia (UE).
Cristina Ferreira defende ainda uma intervenção de Cavaco Silva. “O presidente da República tem um dever ético de intervir, apelando às autoridades angolanas para este caso, não só por defender um Estado de Direito e os direitos humanos, mas pela especial relação que Luaty Beirão tem com o Estado português, por ser também seu cidadão nacional”, frisou a docente de Direito Internacional Público.

“Um acto corajoso”

Para Cristina Ferreira, a greve de fome de Luaty Beirão significa apenas uma coisa. “O facto de Luaty dizer que só cessa a greve de fome caso sejam retiradas as acusações de que é alvo, no meu entender, significa que Luaty não acredita no sistema judicial angolano, não acredita que este julgamento seja justo e imparcial.”
Já Alexandre Correia da Silva defende que o acto de greve de fome é apenas uma das muitas formas de luta disponíveis. “É uma atitude de alguém que considera que os seus direitos estão a ser violados e toma uma forma de luta e uma das formas de luta é a greve de fome. O Luaty [Beirão] resolveu escolher uma forma de luta muito radical, que põe em perigo a sua própria vida. Mas é um acto voluntário. O senhor Luaty quis talvez tentar pressionar o governo, não pelos meios legais que tem à sua disposição, mas por um acto que não deixa de ser corajoso, mas que põe em risco a sua própria vida.”
Foi a 20 de Junho que Luaty Beirão, juntamente com mais 13 activistas, foi preso acusado de preparar uma rebelião e atentado contra a vida do presidente de Angola, no poder há 36 anos. O prazo legal da prisão preventiva chegou ao fim após 90 dias e o tribunal não prorrogou a medida, o que levou a que os detidos iniciassem uma greve de fome. Só Luaty Beirão se mantém sem alimentos há um mês, desejando agora regressar ao Hospital Prisão de São Paulo, para se manter ao lado dos companheiros detidos. Em Portugal, mas não só, as ondas de solidariedade começam a surgir, exigindo uma intervenção do Estado português.

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