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[dropcap style=’circle’]A[/dropcap]gora é a Suíça. O país mais feliz do mundo. Promessas quebradas. Prometera não me deixar seduzir mais pela tentação de comentar listas de cidades e países, uma moda irritante e inútil que, no entanto, encerra atracções classificatórias indesejadas mas irresistíveis.
Contudo, estas linhas diferem das que aqui se escreveram sobre as listas da Monocle, da Mercer e da EIU, Economist Intelligence Unit, pois utiliza considerações que se tecem, num artigo do FT, em torno de um hábito classificatório percebido como demasiado economicista ou cujos critérios excluem vantagens menos materialistas. O artigo em questão chama-se Why “happy” is boring.
A Monocle não deixa de, em todas as edições da sua lista, chamar a atenção para cidades excluídas (por razões que se prendem com a criminalidade ou o sistema de transportes ou poluição) mas que mantêm atracções suficientes para uma vida largamente agradável. Pense-se em Londres, Istambul, Beirute, Nápoles, Naha ou Buenos Aires.
Quem diz que a Suíça é o país mais feliz é um relatório da O.N.U. (World Happiness Report 2015)*. É um país rico, seguro, bonito, não faz guerra e, acrescenta o articulista, os comboios andam a horas. Países como a Islândia, Noruega, Dinamarca e Canadá andam perto. O Togo não se recomenda.**
Esta não é apenas uma lista anual de uma revista, mas um relatório de 170 páginas que inclui artigos como How Does Subjective Well-being Vary Around the World by Gender and Age, How to Make Policy When Happiness is the Goal (um dos mais interessantes, numa altura em que vários governos, a nível mundial, tentam perceber mais especificamente do que é que as pessoas precisam para lá de bons hospitais e comboios a horas) ou Neuroscience of Happiness (que se prende com a mecânica da satisfação).
Mas John Kay, autor do artigo em questão, mostra-se desde o início incomodado com todas estas escolhas. A lista de cidades da EIU centra-se demasiado em cidades que têm o inglês como primeira língua ou em que o inglês é falado correntemente, como Helsínquia, e a lista da Mercer inclina-se para cidades de língua alemã, como Zurique, Viena ou Dusseldorf.
Dusseldorf ? Deve ter sido aqui que John Kay se sentiu verdadeiramente incomodado, o suficiente para equacionar algumas destas escolhas com uma qualidade que nem todas as pessoas apreciarão – o aborrecimento. Não há maneira de disfarçar o aborrecimento que se desprende de lugares como Toronto, Adelaide ou Zurique.
Se o artigo em questão se desvia da classificação de países para a de cidades é porque na sua base está a ideia de que a uma cidade, ou país, não bastam infra-estruturas e serviços de alta qualidade para a tornar atraente.
Cidades artificiais, como Chandigarh (desenhada por Le Corbusier) ou Brasília (Niemeyer) são bons exemplos de como o gosto de viver não se prefabrica. Foi só a partir dos anos 60 que se começou a perceber de modo sistemático e actuante que a aplicação de modelos demasiado racionalistas (e não testados) e de larga escala ao planeamento urbano não é suficiente para criar qualidade de vida. A importância da intimidade é um fenómeno relativamente recente. Pense-se igualmente em Naypyidaw, um esplendor do vazio.
Na região temos o exemplo de dois lugares que se vêm permanentemente como competidores, Singapura e Hong Kong. Singapura é inegavelmente mais igualitária, mais limpa, mais organizada, mais verde e mais bem equipada a muitos níveis, mas Hong Kong é inegavelmente mais excitante, mais imprevisível e mais atraente a muitos níveis. Na edição de 2010 da lista da Monocle coloca-se na capa a seguinte questão: Where would you rather live: A cosy capital or a chaotic cosmopolis? Ou seja, com algum exagero, Rio de Janeiro ou Camberra?
Não há fórmulas que sirvam a todas as cidades, como não há fórmulas que sirvam a todos os países. Se alguns critérios são desejáveis por todas, segurança, qualidade dos serviços de saúde e de educação, transportes, ar e água, abundância de espaços verdes, oferta artística e gastronómica e um modo de vida tolerante e inclusivo da diferença, exemplos apenas, cada lugar adequará estas necessidades à sua realidade e, sobretudo, deverá promover um ambiente criativo e internacional que experimente soluções próprias a cada caso.
O aborrecimento, contudo, pode ser o resultado de um conjunto de circunstâncias que os habitantes de muitos países ou cidades gostariam de atingir. Como se aponta no artigo do FT, a vida em Myanmar, no Zimbabué ou na Síria não é aborrecida mas os seus habitantes provavelmente gostariam que fosse.
O exemplo de Hong Kong é, de novo, útil. Se a nível de infra-estruturas e serviços esta é uma cidade de primeiro mundo, parte do seu encanto vem daquilo que nesta cidade é caótico e confuso (ao contrário de Singapura). Nela encontramos um pouco de tudo, inclusivamente um grito que por vezes não entendemos, profundamente local e não domesticado.
Tudo isto explica um pouco o enigma de Macau, um lugar onde se vive relativamente bem porque é uma cidade pequenina e tem uma face histórica difícil de reproduzir, mesmo que os sectores dos transportes e tráfego, saúde, educação, cultura, ambiente e espaços verdes, telecomunicações e habitação social sejam um desastre total.

* Está disponível na internet, assim como as duas edições anteriores, de 2012 e 2013, e nele o leitor poderá encontrar, com minúcia, todos os critérios e considerações que informam o relatório.
** O primeiro país da Ásia Extrema é Singapura (24º lugar), Taiwan aparece em 38º lugar e Hong Kong apenas em 72º (is boring better?). Entre os 10 países mais felizes contam-se o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia e 7 países europeus ricos de tamanho médio: Suíça, Islândia, Dinamarca, Noruega, Finlândia, Países Baixos e Suécia (Excitante?).

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