Filipa Bento, professora de música

[dropcap style=’circle’]F[/dropcap]oi no envolvente Largo do Lilau que Filipa Bento agendou connosco a sua entrevista. “Este é um dos meus sítios favoritos em Macau”, partilhou, sem esconder que a lista é grande.
A paixão pelo território é impossível esconder e a professora de música, mais precisamente de violino, faz questão de gritar aos sete ventos que adora “viver aqui”.
A ideia de abraçar uma aventura no estrangeiro há muito que residia no coração de Filipa. “Durante muito tempo falei com o Luís (marido) para emigrarmos, não sei explicar bem porquê. As coisas estavam a piorar em Portugal – apesar de estar numa situação muito confortável – e tinha algumas dúvidas para o futuro”, partilha.
Filipa Bento era professora no Conservatório de Sintra, escola e equipa que mais saudades lhe traz depois de dois anos em Macau. “Vou esta semana a Portugal ao final de dois anos e de facto tenho muitas saudades daquela equipa espectacular que tinha de colegas, chefes e directores. Éramos uma espécie de família, ainda hoje digo a ‘minha directora’ ou os ‘meus colegas’. Sei que vou entrar lá e estarei em casa, passe o tempo que passar”, frisa.
O marido da professora, também ele do mundo da música já que é baterista, sempre se mostrou um pouco mais reticente perante a ideia de sair do seu país natal. “Ele sempre me disse que emigraria se eu conseguisse arranjar um sítio qualquer, um país, um lugar qualquer onde se falasse Português e [para o qual] toda a sua banda pudesse também emigrar. O desafio era enorme, mas nunca desisti de convencer a banda e ao final de pouco tempo já todos queriam emigrar. Perceberam que em Portugal iria ser difícil”, relembra.

Bilhete de ida

Um dia, habituando-se à ideia que emigrar não estaria nos próximos planos do casal, é o marido de Filipa que vê um anúncio que pedia uma banda portuguesa para o território. “O Luís chegou a casa e perguntou-me: queres ir para Macau? A minha reacção foi pensar ‘caramba tinha mesmo que ser a China?’”, conta.
Em poucos meses, marido e banda voavam para este lado do mundo, mas Filipa ficou em Portugal com a única filha do casal. “Quisemos perceber as condições que existiam aqui, se havia possibilidade para mim a nível profissional e também condições para a nossa filha. Estivemos três meses separados e foi o momento mais difícil”, conta a violinista, frisando que Macau já estava a marcar a sua vida sem que ela sequer conhecesse o território.
O clima, a comida, os hábitos e costumes da sociedade fizeram com que Filipa se apaixonasse desde o momento em que chegou. “Adoro este clima”, diz ao HM, entre palavras soltas.
Ao olhar em redor, Filipa Bento observa uma mesa composta por residentes a conversar e, atrás de si, uma outra pessoa, sentada num banco confortavelmente. Ao fundo, duas adolescentes passeavam os cães de estimação. “Isto tudo”, apontou, “eu gosto disto tudo, dos residentes, do tipo de vida, desta humidade, gosto de não ter que me preocupar em usar casaco, gosto de estar na rua à noite, gosto de conseguir passear com a minha filha”.

Um amor para sempre

Mas nem tudo foi fácil. “A fase mais difícil foi toda a parte burocrática. Vim para cá, porque como casal achámos que a distância iria trazer marcas irremediáveis, e quisemos estar juntos. Portanto vim para cá sem trabalho, fiz vida de ‘dondoca’, ia para o café o dia todo para não ficar trancada em casa – que era outro problema”, lembra.
Filipa e Luís deixaram uma casa de “várias assoalhadas, espaçosa e com muita luz exterior” na zona de Oeiras e vieram para uma casa “muito local”, apenas com duas janelas.
Depois de algum tempo neste sistema que “mexeu muito com os sentimentos” da professora de música, Filipa Bento começou a ter propostas de trabalho para dar aulas privadas de violino. “Não o podia fazer porque ainda estava à espera dos papéis para os documentos de residente e isso irritava-me profundamente, sentia-me sempre pressionada. Tinha vindo de uma vida totalmente independente, em que andava sempre a mil à hora, e de um dia para o outro estava sem ter um rendimento mensal e sem actividade”, aponta.
Ao final de um ano, os documentos saíram e Filipa conseguiu abraçar os projectos para os quais tinha sido convidada, que por sua vez começaram a crescer cada vez mais. No dia em que conversou com o HM, a professora vinha do seu último dia de trabalho antes da férias. Este ano fez parte de vários projectos de diferentes escolas de Macau, dando aulas a alunos de todas as nacionalidades. “Foi um desafio, por muito que me esforce em aprender a falar Chinês há muitas coisas que não consigo, então tenho que criar meios de comunicação”, acrescenta. Vídeo, imagens, gestos e som são uma constante nas suas aulas.
Depois de muitas aventuras – e de muitas provas de amizade entre Macau e Portugal – Filipa Bento está rendida ao território. “Desde a directora do Conservatório me colocar no quadro da escola e aceitar uma licença sem vencimento durante dois anos, para que eu pudesse ter certeza que é em Macau que quero estar, até ao mínimo pormenor, tudo aconteceu. E tenho certeza que é aqui que vou ficar. Já não me imagino a viver em Portugal”, termina de sorriso rasgado.

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